quarta-feira, outubro 24, 2007

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Sentado na última morada do meu Pai, rodeado por símbolos de morte a vida ganha um novo peso. O peso relativo da vida é esmagado pelo peso específico da morte… olho á minha volta e procuro nos símbolos uma explicação, procuro conforto no vazio, no silencio procuro uma resposta, fecho os olhos e o cheiro da terra remexida dá-me a certeza, a única certeza que eu não queria ter. O vazio toma conta da minha revolta, o frio da pedra gela o vulcão raivoso que estoira dentro de mim, o silêncio abafa-me o choro. Cerro os punhos, levanto-me e sento-me mil vezes, desvio, vezes sem conta, o olhar do sítio para onde é inevitável olhar… pergunto-lhe Porquê? Durante 5 cinco segundos não me oiço… na esperança de ouvir uma resposta paro de pensar… a vontade de O ouvir é tanta que me cala o pensamento. O silêncio é avassalador… nada. Vezes sem conta repito a pergunta. Vezes sem conta não obtenho resposta. É este o vazio brutal da perda? É esta a medida da dor que não consigo explicar…
Percorro, mais uma vez, todos os trilhos, todos os passos que dei com Ele, todas as lutas, todos bons e especialmente todos os maus momentos que passámos. Uma culpa cega, sem piedade, vinga-se de mim por todas as vezes que não Lhe respondi aos telefonemas, por todas as vezes que Ele tinha uma nova teoria sobre o inicio do universo e eu não tive tempo para ouvir… sou castigado por esta culpa com uma violência atroz que me verga e eu, impotente deixo-me vergar… luto para respirar.
Num acto completamente irracional começo a ajeitar as flores que, também elas já mortas, lhe fazem companhia… queria poder fazer mais, queria só poder fumar um ultimo cigarro com Ele… é isso que pela decima vez faço… não consigo virar as costas e dizer Adeus… caminho em direcção ás porta trabalhadas do cemitério de Coruche e o peso que carrego faz-me novamente voltar para trás. Que peso é este que sinto… que ancora é esta que agora me prende e que nunca antes foi impedimento para Lhe dizer Adeus… ancora é Ele. Sempre foi mesmo que eu não desse conta.
Com a frieza característica de quem faz destes sítios de morte a sua vida, uma voz puxa-me de volta ao frio da pedra onde me sento e informa-me em tom monocórdico que “o cemitério vai fechar”… Já? – instintivamente respondo – mais uma pergunta sem reposta. Como apareceu por entre as campas assim desapareceu…
Levanto-me plenamente ciente que tinha chegado a altura de dizer alguma coisa, dizer alguma coisa que ficasse ali até eu voltar… Com um muito ténue e tremido tom de voz e já sem esperança de resposta ficou um simples e sincero -“ATÉ BREVE MEU QUERIDO PAI.”
Hugo Parracho

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ai, esse cemiterio de Coruche que tao bem conheco... ai voltarei entao
em Dezembro para Lhe lembrar as ginginhas que tomavamos quando tinha
eu que, 13, 14 anos? E voces ainda menos... la em cima no Norte, como
se chamava aquilo...? A morte so apaga a vida verdadeiramente quando a
memoria humana falha. Quantas mortos silenciosos deixaram de viver so
no esquecimento? Quantas mortes nao o sao face as tais memorias que
mencionas, boas e mas, os momentos da vida de cada um, que afinal sao
TUDO. Quantos bons momentos me lembro com o Xico, maus quando havia
discussoes, enfim, os problemas de todas as familias... e o sentimento
de que nada nunca sera o mesmo - essa e a tristeza da existencia
humana. O saber que nao se pode voltar a traz. Mas culpa? Nao sintas
culpa, primo. Tomamos conta do nosso proprio destino, e doa a quem
doer fazemos o que queremos, nao para incutir a culpa aos outros, mas
sim porque o temos que fazer. Nao porque somos controlados por algo ou
alguem, mas sim porque temos vontade propria e interior, e decidimos
assim ser e assim fazer. Ha que respeitar, pelo amor, aquelas decisoes
dificeis de cada um...

Ate Dezembro. Bebemos uma ginginha. Ou garrafa. A Coruche!

20:46  
Anonymous Anónimo said...

grande abraço

22:20  
Blogger Amadeu said...

Um abraço forte e sentido!...

01:30  
Blogger Amadeu said...

Este comentário foi removido pelo autor.

01:30  
Anonymous Anónimo said...

a morte não existe.

09:05  
Anonymous Anónimo said...

Eu tambem perdi o meu pai,eu perdi uma parte de mim.Sò me arrependo de nunca lhe ter dito o quanto o amava,e o quanto estava arrependida de muitas vezes nâo o ter ouvido.Hoje,ele faz-me imensa falta,mas o que mais me revolta,foi que na noite em que morreu,disse-lhe boa noite,até amanhâ,e disse-o ao longe.Sinto a sua falta.

23:07  

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