terça-feira, janeiro 06, 2009

ano novo, vida nova



Levou a minha inconsequente preguiça a que desse por mim hoje, cedo cedinho, numa fila para tratar do cartão único. Adiava o inevitável desde Junho e por sorte do destino estavam apenas quinze pessoas à minha frente. São atribuídas vinte senhas diárias e sendo eu um dos contemplados, a coisa ficou marcada de imediato para as 11h15. Célere como convém ao século XXI. Como gosto muito do ambiente denso das repartições públicas, deixei-me ficar por ali a mastigar um livro e a reparar na imbecilidade crónica de uma rapariguita que nasceu velha. Ou com um período menstrual constante. Impressão digital para aqui, assine se faz favor, feche a boca, os seus documentos. Entra um senhor de idade avançada, tão à vontade com a máquina burocrática como eu, que se dirige ao balcão com algum desconforto. "Está aqui qualquer coisa mal?". "Qualquer coisa o quê?" "Aqui, uma coisa." "Mas o quê?" "Aqui está escrito Vergilio e eu sou Virgilio." Em que ano é que o senhor nasceu, perguntaram-lhe para meu espanto. "Mil novecentos e quarenta e um." Ficou o senhor sozinho, sem explicação, ultrajado e meio impaciente, à mercê de meia dúzia de olhares inoportunos. "O senhor chama-se Vergilio." "Como?" "Quem o registou, chamou-lhe Vergilio." "Então mas em todos os documentos eu estou como Virgilio." "Pois, mas é Vergilio." "Até o meu professor da primária, à sessenta anos, me dizia – tu és Virgilio, com i." "Pois dizia mal. Você é Vergilio". Olhe aqui, mostrando-lhe um livro carregado de pó. "Então como é que eu faço agora?" "Como é que faz como?" "Como é que eu assino?" "Assina como lhe apetecer." "O quinze?" Era eu.