quarta-feira, março 18, 2009

Espelho meu, espelho meu



É assim todos os seis meses. Dantes era de três em três, mas o decréscimo de testosterona ditou novas regras. "É a curva descendente", diz a matrona atrás de mim. A semana passada fizeram-se seis meses e, portanto, tête-à-tête com o dito espelho. "Como quer?" Como quero? Não quero, caraças! Como de costume, disse-lhe. A medo. Assim começou o desbaste. E também a minha dose semestral de narcisismo. Detesto cortar o cabelo. O espelho é, também, uma das razões. Durante vinte, trinta minutos, ali paradinhos, a 10cms de nós próprios. Não é uma merda fácil, agora que a idade adulta me obriga a detectar os porquês e os quês. Para colmatar, a menina vai desfilando os inúmeros problemas que apoquentam o couro cabeludo.
Quando era garoto ia-se ao baeta e levava-se com o corte nº10 dos Bértolos, barbeiros de referência da cidade. Que não eram referência pelas extensões ou pelas colorações. A maior parte das pessoas que por lá passava não cortava o cabelo. Entravam, contavam qualquer coisa, ouviam as novidades e abalavam (foi lá que soube da história do jogador da bola com uma das Doce). Dava-se pelo fim do tratamento à melena quando levávamos com álcool no cachaço. E espelho, nem vê-lo. Queria lá saber de mim para alguma coisa, ocupadinho que estava a pensar na finta que tinha feito no intervalo de Trabalhos Manuais.
"Já está", disse-me a Dalila, para meu evidente desapontamento e enquanto trabalhava afincadamente num dos meus pontos fortes - o olhar de soslaio. Ela sorria. O sorriso nº10. E foi buscar o retrovisor. "Está bem?" Sei lá! Por acaso faltava-me ter que me começar a preocupar com o que as pessoas pensam nas minhas costas.