terça-feira, março 03, 2009

As Horas



Passamos a vida inteira à espera. Seja porque quem nos faz tamanha maldade não compreende que o que faz equivale a quatro pares de estalos de mão aberta, ou por vontade, ciente e voluntária, de desperdício de segundos, minutos, horas e dias de vida. Normalmente damo-nos conta facilmente da primeira. Que não interessa, por agora, para aqui. Já me chegam as úlceras de esperar que a garota vista a farpela cada vez que vamos dançar. Dou-vos conta da segunda. O fenómeno que a trupe a que pertenço designa por Cisma. Pois bem, pratico-a desde miúdo. Visceralmente. Com devoção. Sem ponta de arrogância, andarei pelo 3ª Dan desta arte milenar. Conheço-lhe os truques. Também as vicissitudes. As mazelas que ficam. O que no meio chamamos de lesões bancárias. É claro que existem Mestres superiores. Personagens místicos, inalcançáveis na sua busca. Eremitas que fizeram dela o seu Pathos. Não é, infelizmente, o meu caso. O que não invalida, quando a mona o permite, a que ela me dedique (tipo sobrinho do Sócrates. Cagar na malta, que tou a fumar umas no Nepal).
Não deixa de ser um contra-senso que esta sociedade vil, virada para o cifrão e para o pragmatismo, acarinhe estas existências na meninez. E bem, digo eu. Mas absurdo. Vejamos. Em bebé, ostensivamente empurrados em cadeiras estofadas e colocados a arrotar, somos deliciados com a figura ridícula com que os adultos nos presenteiam. É-nos apenas pedido que abramos a boca a aviões e que, por favor, caguemos na retrete. Nos intervalos, o mundo para cismar. Na idade adolescente é o diabo. Parece que de repente estar parado é pecado. O garoto está alheado? Dá-lhe com o pedopsiquiatra. Já crescidos, a coisa piora. A espera passa irremediavelmente de activa a passiva. Tempo é dinheiro e o Bispo das Finanças não perdoa. Há algumas benesses. Infrutíferas. A sesta poderá ser um principio, mas fica-se por aí. A cisma, na sua essência, implica, aleatoriamente, zapping, wc e pinchos diversos. Em velho a coisa melhora. Há filas próprias, bancos no autocarro, até deferência para olhares vazios. Mas não há o mais importante - tempo. De que importa cismar sobre o que fazer à vida se ela está a acabar? São merdas que me preocupam.